segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Homenagem a Todos os Mestres Pedreiros de Nogueira do Cravo

Mestre Pedro-Pedreiro* era um homem da minha infância…
Lembro-me dele a “fanfar os verbos dos arguinas gidos” e a cantar às pedras subindo na casa, que se levantava na povoação na face de um muro de caminho.
A pedra cortava-se nas encostas da aldeia. Saberes vindos de “manjistas” (empreiteiro) mais antigos faziam conhecer a textura exacta do granito e a linha de corte aberta à força de braços, golpes de marra batendo cadenciados nos guilhos, suores na face por todo um dia de sol, o aço dos guilhos batidos pelo ferro da marra soava com a música que o vento levava.
A “arraia” (pedra) desprendida da “bôcha” (pedreira) levantava-se agora, um ferro sustido nos ombros sobre os braços dum corso que dois bois arrastavam por caminhos lentos até ao terreiro livre do obradoiro.
Vinham outros pedreiros trabalhar com mestre Pedro-Pedreiro.
Nascia uma cantilena de “ferranhosos” (picos), nasciam pedras vivas daquelas informes, o “bucha” (mestre) marcava linhas vermelhas de corte com uma comprida régua de madeira.
Desenhavam-se datas que se inscreviam em cartelas ligeiras nas padieiras das portas. Faziam-se também molduras em portais, toros, filetes, volutas, flores de seis pétalas, uma gramática de símbolos ligeiros que construía o imaginário da povoação.
Erguiam-se muros sem fim envolvendo quintas como antigas cercas de mosteiros para durar mil anos. E ao bater de um sol rasante, resultava, poética aquela alvenaria que pacientemente subia sem o uso do cimento.
Os muros mais altos das casas de gente de posse levantavam-nos de cantarias doces, largas pedras escolhidas, onde o cinzel completava o talhe do pico amaciando a pedra.
Levantavam-se então dois paus de pinheiro cruzados ao alto, mestre Pedro-Pedreiro dirigia a construção dessa máquina fuste de cordas grossas e roldanas de madeira, eficiente como os idênticos engenhos que levantaram os muros de todos os castelos antigos. E era com este engenho – o sarilho – que as pedras subiam ajudadas pelo canto dos pedreiros – ó pedrinha, á-ó…ó pedrinha ligeira, á-ó… ó que vais p´rá obra, á-ó…e é p´rá vida inteira á-ó…e ela corre, á-ó…foca o badejo, á-ó…à choina fusca, á-ó, … na pildra niva, á-ó… do arguina gido, á-ó…
Aldeia de pedra ficava cada aldeia da beira.
Casas grandes de senhores, casas fartas de lavradores, muros altos de quintais e cercas, paredes dividindo courelas, muros de caminho por onde o gado se guia quase sem pastor, calçadas, torres de igreja e capelinhas com cruzes e pináculos, casas de escola, fontes, lavadoiros, alminhas, marcos de posse, brasões, pedras de moinho, lajes de lagar, ou de eira, chafarizes, canos de água vindos de represas, tampas de sepultura…
Aldeias de pedra que resistiram por mil anos!
Mestre-Pedro-Pedreiro, esquecida quase a sua memória, porque não teve tempo de talhar, mesmo sem nome e sem data, a tampa da sua cova!...

* Mestre Pedro-Pedreiro é um nome fictício e deste modo lembramos assim todos os “arguinas” da nossa terra.




“Arraia arraia se fagunha a grumeia” (Pedra a Pedra se constrói a casa)

Quem de “verbos” não intruja, pegue nos tamancos e fuja!

5 Olhares:

Unknown disse...

O arguina tem no monumento que lhe foi dedicado, uma justa homenagem a uma classe que, anónimamente nos deixaram a sua arte gravada na pedra.
Não devemos esquecer artistas de outras actividades que devem ser lembrados:
Alfaiates não são homens,
Homens são os carpinteiros,
Mas para maior valentia
Venha a malta dos pedreiros.

Anónimo disse...

Andas sempre a puxar para o mesmo António, eu compreendo tens medo de ser esquecido... mas o que fazias mesmo...

Anónimo disse...

Sr. António, mesmo vivendo longe de Nogueira aprecio o interesse que revela por Nogueira e em particular com este blog! Pelo menos tem a coragem de se identificar e comentar positivamente. Só desta maneira se compreende a triologia que defende no seu comentário sobre FOTOS COM HISTÓRIA.

Anónimo disse...

Concordo com o comentário anterior, e tenho pena que não hajam mais "Antónios" que participem assim activamente no blog. É pena que se menospreze por vezes o trabalho e o valor deste espaço.

Anónimo disse...

Já repararam??? Só critica quem realmente nunca fez nem faz nada por Nogueira...

Mas como diz o velho ditado "vozes de burro não chegam aos céus!!!"

Força António...