quinta-feira, 20 de março de 2008

António Carlos Lepierre Tinoco - Grande Figura Nogueirense

É difícil falar de António Tinoco sem uma referência a outra figura notável, a de seu irmão, o poeta Carlos Tinoco, falecido aos vinte e seis anos, um mês depois de terminar o curso de Engenharia e sobre o qual Vitorino Nemésio escreveu palavras inesquecíveis. Constituíam os dois irmãos faces diferentes da mesma atitude revolucionária.
António, o mais velho, era um meditativo-activo, com uma espantosa capacidade de compreensão do fenómeno social e politico e com invulgar poder de intervenção; homem que a P.I.D.E. classificava de agitador perigosíssimo. Carlos pelo contrário, era um poeta e o filósofo, cuja lucidez compreensiva igualava a tensão interior que o levou a escrever páginas admiráveis, reunidas em parte por dois amigos – um deles António Pedro, outro Barradas de Oliveira – num volume, hoje raríssimo que é uma autêntica mensagem: a “ Correspondência frustrada”.
Provinham eles pela linha paterna da velha nobreza rural da Beira em que sobressaiam orgulhos dos Abreus, Madeiras, Lobos, Gamas, Mascarenhas, Figueiredos, Cardosos, Melos, Tovares e Albuquerques, dentro dos quais vários capitães e magistrados, que bem marcaram nos seus lugares de proeminência. Pela linha materna eram netos do cientista Charles Lepierre, francês de rija têmpera e alto valor intelectual, que se fixara em Portugal e deste fez a sua segunda pátria.
Não consta que dos ante brasonados, que viviam conforme as exigências do tempo à lei da nobreza, ficasse memória de exibições dinheirosas ou chatinagem soberba de gente mal nascida. O que ficou, ao invés, nas memórias que se conservam, foi a imagem de quem prezava e cumpria as boas virtudes antigas.
Depois de fazer o curso dos liceus em La Guardiã, depois de Coimbra, António Tinoco transferiu-se para Lisboa para casa dos Avós, a fim de frequentar a faculdade de Direito. Se em Coimbra a sua formação fora a do integralismo, em Lisboa as perspectivas politicas levaram-no a preocupar-se principalmente dos problemas económico-sociais. Daí que a criação do movimento nacional-sindicalista a sua linha de acção fosse predominantemente a social. No diário “Revolução”, órgão daquela organização, dirigiu a página do Operário, que não tardou a ganhar maior independência no suplemento “A Revolução Nacional dos Trabalhadores”.
Ali se definiram logo por complemento as linhas mestras do seu pensamento, que haveria de expor em três planos: o nacional, o social e o imperial.
O nacional, digamos, era a raiz histórica, a matéria, a massa inicial e fundamental; o social, a forma que a primeira exigia para a realização plena de uma sociedade impregnada de força actuante em sentido de eficiência e de justiça; finalmente, o imperial era a forma superior de um destino em que se integravam as forças determinantes da evolução da grei, vocacionada para uma actividade civilizadora. A estas linhas se manteve fiel através da sua actividade ideológica.
No seu último livro, “Portugalidade”, Domingos Mascarenhas anota que se revelaram no Nacional-Sindicalismo três correntes, ou talvez melhor, homens de três tendências: a que poderemos chamar ortodoxa, representada por Rolão Preto; a de inspiração socialista (António Tinoco) e a de carácter corporativista, encarnada por Castro Fernandes e Manuel Múrias entre outros. Foi este o grupo que provocou a cisão, alinhando com Salazar. Proibidos os caminhos azuis, Rolão Preto desde essa altura resvalou gradualmente para a oposição democrática.
Fragmentado efectivamente o movimento em três correntes, o salazarismo integrou-se na politica oficial do regime e foi a alma da organização corporativa.
A facção simplesmente anti-salazarista, chefiada por Rolão Preto e restrita a uns quantos cegamente oposicionistas, aproveitou-se de todas as oportunidades para uma actividade puramente destrutiva e teve a sua expressão mais evidente na agitação da candidatura presidencial de Humberto Delgado, informado por essa corrente. A terceira de António Tinoco, levou-o até ao partido socialista, presidido por Ramada Curto de quem era amigo. Foi ele que certamente para lá arrastou António Sérgio e o Dr. António de Sousa Gomes, antigo director do “Diário da Manhã” e, como Tinoco, inclinado para o socialismo de face humana que era o Henry de Mau. Para o mesmo partido impeliu também José de Sousa, que fora um dos dirigentes supremos do Partido Comunista e a quem conhecera em Lisboa, na prisão do Aljube, antes da deportação para o Tarrafal.
Dentro dessa evolução, foi inexcedível a actividade conspiratória de Tinoco. Poucos restam já dos companheiros dessa luta em que sobressaíam nomes como os de Paiva Couceiro, Norton de Matos, Tenente – Coronel Ribeiro de Carvalho, António Sérgio, Capitão Carlos de Vin Vilhena, etc.…
Para as necessidades de tal actuação, como simples exigências da sua natureza, não dispunha Tinoco dos largos rendimentos dos antepassados beirões. Por isso, o que os rendimentos não davam já para sustento da família riquíssima de outrora havia alienado, dia após dia, as vastas propriedades em Santa Comba de Seia, Oliveira do Conde, Vila Nova de Tazém e Bobadela, para ficar restrita à casa de Nogueira do Cravo. E o moço estudante ou residente em Lisboa ao invés da bolsa recheada ou dos livros de cheques, teve sempre necessidade de trabalho remunerado, como redactor do “Diário de Notícias”, como secretário geral da Caixa de Previdência do Pessoal da Indústria de Lanifícios, como director do “Diário Popular”, como director de uma empresa gráfica, como administrador de uma empresa moçambicana…
No “Diário Popular”, para a fundação do qual ele conseguira a associação de uma dúzia de industrias de lanifícios, que subscreveram uma cuja carteira de 300 contos de acções, não teve um centavo de capital seu; e, quando um dos accionistas quis presenteá-lo com um lote de acções, correspondente à garantia do seu lugar como administrador, desinteressadamente – recusou-o.
O jornalismo atrai-o tanto como modo de vida como apoio ao seu destino político. Foi redactor da “Revolução” e do “Diário de Noticias”, chefe de redacção do semanário “Fradique” e culminou esse passo da sua vida como fundador e director do “Diário Popular”, cuja concepção e estrutura se devem exclusivamente à sua extraordinária intuição e capacidade de realizar.
Por fim, a guerra do Ultramar teve-o, como aliás a Ramada Curto, na linha exacta da tradição portuguesa. Os perigos que a Nação enfrentava impunham a unidade dos portugueses, conforme aliás o pensamento de Couceiro e Norton.
A conspiração era de cessar.
Entretanto a igreja voltava a atraí-lo e nesse reencontro achou a doença quando esta avançou minaz e atormentadora.
E foi assim na mão do Senhor, que repousou serenamente o mais irrequieto e porventura o mais perigoso dos homens políticos da velha Cepa Beiroa.
Outras facetas da sua vida ficaram por ser tocados nesta biografia resumo e que bem deviam ser lembradas. Ficarão para outra oportunidade, se Deus quiser.

Publicado em “O Catre” em 1986.

2 Olhares:

Unknown disse...

Mais uma faceta de um Nogueirense de rija têmpera, que lutou por uma causa, mas de quem os deuses da fortuna se afastaram. Será essa a sina dos que apresentam mais valia em Nogueira ?
Parabéns pela publicação desta biografia, em tempo editada pelo Catre, orgão de informação local, hoje infelizmente desaparecido.

Anónimo disse...

Gente boa... mataram a fome a muitos Nogueirenses!!! Hoje ninguém os lembra!!! É pena!!...
Qto ao "Catre", que saudades!!!!